Será Humano, ser humano?




“ Sempre encarei a vida de forma menos racional e mais emotiva. Sempre permiti que os bons modos e a educação guiassem ela, evitando e contrapondo conceitos que a sociedade me impusera, que o universo em que nasci me impusera. Sempre foi assim, mas na realidade em que vivemos, o sempre não é para sempre e quando descobri que estava sozinho e doente nessa terra , foi que comecei a rever meus conceitos. Ontem fez 15 anos que meu pai morreu e minha mãe também.

Nasci, me criei e morei no interior do Ceará até meus 12 anos, quando fui para a capital. Sim, vou abrir um parêntese aqui. Como a maioria das cidades interioranas daquela época, Santa Maria Misericordiosa se enquadrava perfeitamente no conceito de “esquecida por Deus”. Seca. Mortal. Vítima do descaso. As pessoas migravam para a cidade grande no intuito de galgar algo que lhes desse uma vida digna. Outros ficavam e confiavam tudo na mão de um personagem que nunca entendi: Deus. Mas dele prefiro não comentar; passaria o dia aqui. Ok, onde eu estava mesmo? Sim, minha vinda para esta cidade. Fortaleza. Tentar a vida, conseguir um emprego para auxiliar minha família, conseguir um colégio para estudar e ser alguém na vida, ou resumindo, conseguir uma vida. Foi complicado atingir meus objetivos, mas como diria minha mãe, eu sou um cara de sorte.

Arrumei um emprego como empacotador de supermercado. Era cansativo, mas era melhor do que nada. Passava minhas manhãs por lá. A tarde fazia uns bicos aqui e acolá e finalmente à noite, quando dava, ia ao colégio. Não vou me alongar muito nesse assunto, pode relaxar; apenas quero que você realmente entenda como era fácil para mim, me entregar ao mundo, fazer o que as ruas queriam. Drogas, violências, crimes. Assim era meu cotidiano e o de milhares de pessoas que moravam às margens naquela capital de luz. Mais os princípios éticos e os bons modos que meus pais me ensinaram, falava mais alto.

Não, nem tudo era só trevas. Minha vida também tinha lados bons. Certa vez me apaixonei loucamente por uma menina que estudava na sala ao lado. Ela era dois anos mais velha que eu e tinha um rosto lindo. Quando ela passou a primeira vez por mim, congelei. Quando me deu a mão pela primeira vez, estagnei. Quando ela me ensinou que eu era um besta e a vida era racional e cruel, despertei. Despertei, mas não por inteiro. Um lado de mim ainda acreditava nos homens, acreditava que o amor poderia mudar tudo. Enfim, a vida continuou, apanhei muito, mas também aprendi a bater e quando completei 23 anos, vi a luz no fim do túnel.

Estava passeando por um ponto turístico da cidade quando soube que ali perto estava acontecendo um jogo com gigantes do poker. Grandes jogadores que atingiram toda a estabilidade financeira, através do jogo e muitos atos ilícitos. Talvez um dia tivessem reunidos e falaram, - “Por que não no Brasil? A gente escolhe uma cidade afastada e que possamos realizar nossos jogos com tranqüilidade”. Eles até teriam acertado, se não fosse o detalhe que eu aprendi a jogar (muito bem) tempos atrás. Participava de competições com uns amigos de trabalho e outros conhecidos que me ensinaram. Não jogava na minha rua, pois mais da metade das pessoas ali, sequer conheciam o esporte. Dessa forma consegui juntar uma grana para deter alguns luxos que seriam impossíveis sem esse dinheiro adicional. Para encurtar, cheguei na casa onde estavam sendo realizados os jogos, escolhi uma mesa de cacife alto, pois não teria nada a perder. Talvez a minha vida, mas ela não estava valendo muito mesmo. Joguei uma noite quase inteira. Joguei, usei de estratégia e roubei. Roubei sim e consegui ganhar aquela abençoada graninha que alavancou minha vida e a dos meus pais por completo. Essa foi a primeira vez que quebrei minha dignidade e princípios. Poderia até ganhar honestamente, mas não queria arriscar: uma chance daquelas não aparece duas vezes.

Depois disso, comprei um apartamento para mim e para meus pais, terminei os estudos, comecei um curso superior e montei uma empresa de contabilidade. Sabe, após esses eventos o universo parecia conspirar a favor em tudo. Minha vida estava no eixo, minha empresa dera certo. Consegui juntar muito dinheiro em pouco tempo e minha mãe insistia em dizer, - “Sidartha, você é um homem de sorte." Talvez sim, talvez não.

Um ano e meio depois de me formar minha mãe foi seqüestrada. Durante essa época de desespero para todos, ela foi violentada e morta como um animal. Apenas um dos três culpados foi preso, um morreu e o mais velho, que tinha 57 anos nunca mais foi visto; mais um dia eu iria vê-lo. A partir daí acho que minha sanidade mental nunca mais foi a mesma. Mas tudo bem, não poderia morrer junto, tinha um pai doente para manter e uma vida para guiar.
Meu pai passou um mês todo se lamentando, praguejando contra os céus, - “Já não bastava tanta merda na minha vida? Pra que mais uma dessas meu Deus.” Assim ele foi empurrando sua frágil vida com a barriga, até morrer meses depois. A partir dali, definitivamente meu mundo despencara.

Comecei a estudar muito, saber sobre filosofia, religião, metafísica, sabe, alguma coisa que me desse uma explicação. Minha vida não tinha (agora mais do que nunca) o menor sentido. Os dias foram passando e minha vida decaindo, decaindo até eu descobrir que estava com câncer no pulmão, fruto de alguns anos de cigarro. A partir dali minha vida não tinha para onde descer: eu estava no fim. Não via mais alegria em nada, não sentia os cheiros como antes, não tinha a mesma concepção da humanidade. Tanta confusão serviu para eu ver que tudo isso que sempre acreditei não era nada do que eu havia pensando que fosse. A vida não era bela, a humanidade não era linda e o amor não existia. Consegui ver tudo isso no meu fim. Passei os restos dos meus dias assim, até hoje. Hoje que por ironia do destino, no dia em que estava em minha maior fase depressiva, encontrei o último assassino da minha mãe que faltava. Você que está ai, na minha frente, nu, amarrado por correntes, debilitado pela idade. Um monstro, um filho da puta que acabou a minha vida... e a sua.

Você agora deve esta se perguntando o porquê que teve que entrar naquele boteco fedorento e acabado hoje. Enfim, a vida tem dessas coisas. Quando ti vi ali sentado, bêbado, não tive dúvidas que era você. Então me aproximei, fiz amizade e lhe trouxe para esse local. Reconhece? O lugar em que você comeu minha mãe, o lugar que você e seus amigos de merda fuderam comigo. Sabe, levei muito tempo pensando sobre coisas do tipo:- “Será que o ser humano é realmente humano? O conceito de humanidade realmente se enquadra nesses perfis que existem por ai? Será humano, ser humano?” Não sei, ainda não descobri e pela sua cara você não esta nem um pouco interessado em saber também. No geral queria que você ouvisse com atenção minhas considerações finais : Foda-se. Foda-se tudo e todos, não quero mais saber de nada, não quero mais entender, apenas vou esperar o meu futuro vir, como quer que ele venha.

O que é isso homem. Pare de chorar, morra com honra ao menos. Agora tudo vai melhorar para você e para mim... ou não. “

Obs.: Esse texto foi escrito por mim, quando tinha uns 16 anos e resolvi resgatá-lo (reeditá-lo). Lembrei dele hoje, não sei o porque, mas enfim, é aquela koisa.

Obs.: Espero que gostem.




"Love is the law, love under will"

8 comentários:

primeiro comentário! =)
bom...
cara falando sério, nos primeiros parágrafos achei que fosse algum tipo de citação e tal, pq tá mtoo bem escrito! enfim, e a história em si ficou excelente e beem original!
ahh, ficou massa, resumindo tuudo!
beeijo =*

terça-feira, 23 setembro, 2008  

Boa... Obrigado ai Felisberto
Também gosto do texto

"Love is the law, love under will"

terça-feira, 23 setembro, 2008  

"A vida não era bela, a humanidade não era linda e o amor não existia"
Bem, acho que isso ainda se aplica ne verdade, afinal a vida nem sempre é bela, a humanidade quase sempre é uma merda e o amor, ah o amor, esse é melhor nem comentar ou divagar sobre sua existencia ou não.

Quanto a indagação inicial se a humanidade é realmente humana isso é algo bem mais complexo de analisar.
Tudo bem que na maior parte das vezes ela se mostra altamente desumana, quando nos deparamos com todas as atrocidades do dia-a-dia, quando pensamos que em determinadas situaçoes seriamos capazes de matar outro ser da forma mais atroz possivel, enfim...

Mas dai então nos lembramos do amigos, das noites de luar, das boas atitudes, das conversas de botequins, dos afetos, dos risos, daquelas palavras ditas por alguem numa hora dificil, de um abraço inesperado, de uma paixão desenfreada, dos conselhos e conversas jogados foras... e vemos que ainda há esperanças pra essa humanidade tão tola e mesquinha.

E como diria Oswaldo Montenegro "o verão tá chegando, a cerveja tá gelada e o Rio de Janeiro continua lindo. O resto é filosofia"

Ótimo texto Marcel!
Mais uma vez ta de parabens moço


Beijão

terça-feira, 23 setembro, 2008  

Noss! Tô bastante surpresa, impressionada e emocionada com a história.
Muito forte. Muito bem escrita.
Eu já gostava, com esse texto então, redobrei minha admiração.
Mesmo.
Não tem mais o que dizer. Muito, MUITO bom.

Parabéns. Eu vou escrever um livro, você devia fazer o mesmo.

Beijos.


ps. MUITO BOM é pouco. FODA é mais apropriado, mas ainda é pouco. Muito pouco.

quarta-feira, 24 setembro, 2008  

:D

"Love is the law, love under will"

quarta-feira, 24 setembro, 2008  

cara eu deveria ter comentado ontem
mas como o sono as vezes é mais forte q a vontade de permanecer acordado
estou aqui para fazer o tal comentario
bom, o texto... é o texto, sóóóó...
cara num tenho palavras

muito irado!

fazer um livro era uma boa!
ou um curta metragem, sei lá
é o tipo da koisa...
abraços

quarta-feira, 24 setembro, 2008  

sabe o que é legal nesse teu blog? tu é legal com quem comenta, sempre responde...eu não! sou chato...

e ae, vai responder o q ao meu cmentário?


(letras de confirmação: xamozm)

sexta-feira, 26 setembro, 2008  

Olha ai ein
essa questao de interatividade é uma boa estratégia, as pessoas gostam (ou nao)

Mah, pra tu, eu falo o seguinte: Bora tocar mah

tu nao disse se gostou do texto, mas eh aquela koisa...
ok

"Love is the law, love under will"

sábado, 27 setembro, 2008  

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